quinta-feira, 20 de março de 2014

O pintor e o crítico

          "Como podes tu julgar essa obra de arte assim?", questionava o moço novo. "Mas isto não tem valor", retrucava o homem velho. Foi um trabalho milimetricamente regrado, com as devidas noções de proporção e harmonia, com um toque de rebeldia estilo carpe diem, nada muito fora da lei. Era bonito, beleza rara, lembrava um poema parnasiano ou algum de Hídrias. Mas o crítico era demasiado duro.
          Mas ele tinha razão: não estava atual, dentro do padrão. Havia algo muito gracioso ali que não vendia mais. Eles pediam por vômitos em telas brancas. Mas não eram vômitos normais, eram vômitos de arco-íris; nem vômitos quaisquer, eram vômitos de artista, merda d'artista. Tudo se vende, menos aquela coisa horrenda. Pois respeitar regras de simetria é ultrapassado, obsoleto e inaceitável.
            Aí, o moço jovem foi embora triste. Ele pensou: "será que está tão feio assim?". Mas vendeu a sua obra na segunda esquina e agradeceu ao governo pelas novas notas de tamanhos diversos, pois assim não seria passado para trás. Engraçado: ele nunca viu cor, nem forma, nem luz, nem simetria. Ele nunca viu uma Vênus! Mas ele fez uma tão perfeita quanto é. 
            Quando os historiadores dos anos 3000 estudarem o século XXI, vão achar que essa era uma época de cegos, mas não verão que os cegos viam.

Autoria: Ugo Costa

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